por Marcia Broccart
Partindo de uma liberdade ilimitada chega-se a um despotismo sem limites.
Fiódor Dostoiévski
O isolamento, o medo, o desemprego e a modificação da rotina devido a pandemia têm levado muitas pessoas a queixarem-se de momentos de tristeza profunda, falta de concentração, esquecimento, irritabilidade e insônia. Os transtornos mentais nunca foram tão numerosos e tão graves. Angústias de diversas ordens, conscientes ou inconscientes, estão presentes em todos nós. No entanto, doenças mentais tais como depressão, transtorno de ansiedade, síndrome do pânico e estresse pós-traumático são hoje mais ampliadas e numerosas. O uso de substâncias psicoativas tem aumentado drasticamente.* Quanto à dependência química, seu ciclo está cada vez mais difícil de ser interrompido. Como chegamos até aqui?
Há uma manipulação em curso e esse artigo pretende mostrar seu pano de fundo, além de evidenciar como a politização de áreas chaves como saúde, educação e costumes vem ceifando vidas e adoecendo pessoas. A busca pelo controle nunca foi tão nefasta e tão vigorosa. Quando analisamos a dinâmica desse processo e os meios utilizados, descobrimos que a nova ordem social tem imposto pesadas sanções à humanidade.
AINDA SOMOS HUMANOS
Sim, somos humanos. Seres que vivem e morrem regidos por leis biológicas. O imperativo genético ao se manifestar em nossa vida emocional nos mostra que nosso corpo exerce poder sobre nós. Somos reprodutivos e escolhemos parceiros através da seleção sexual. Somos também territorialistas, por isso temos a exigência de um habitat. Afinal, o que nos torna humanos?
Nos últimos anos a REALIDADE BIOLÓGICA tem sido desprezada e nossa história passou a ser contada a partir de narrativas distorcidas, determinando novas fantasias e mitos a respeito da condição humana. Este novo estatuto, construído a partir da visada ideológica, perpassa todas as ações sociais. Vale ressaltar que nossos mais nobres atributos são lastreados na BIOLOGIA e preservados pela MORAL. Corpo e mente estão intimamente interligados marcando no Homem suas exigências físicas, biológicas, psíquicas e emocionais. Dai a necessidade dos interditos primevos que limitam seus movimentos pulsionais em direção a dois encaminhamentos: vida e morte, civilidade e bestialidade. Isso define o ser humano, a despeito de sua crescente DESUMANIZAÇÃO ao tentarem naturalizar a pedofilia, assassinatos de crianças, pornografia etc., o que tem suscitado discussões éticas a respeito dessa subversão social.
ISOLAMENTO PARA FRAGILIZAR
Somos gregários por natureza e ligados uns aos outros pelo afeto. Ao considerarmos o comportamento etológico dos seres humanos podemos constatar que o hormônio chamado ocitocina exerce papel relevante nas interações. Esse hormônio cerebral, modulado pelo hipotálamo e armazenado pela hipófise, é que nos predispõe a buscarmos interações e construirmos relações afetivas e duradouras. Sim, nós nos apegamos aos objetos de nossos quereres.
A ocitocina também é facilitadora das relações mãe-filho, das amizades, da troca de carícias, das palavras doces, dos vínculos duradouros baseados no AMOR-HONESTIDADE-NOBREZA de caráter. Biologicamente, somos interdependentes. A ocitocina modula a sensação de MEDO e é a responsável pelo desenvolvimento de EMPATIA e APEGO entre nós.
Vemo-nos por meio dos outros olhares. Isso é bom, pois nos liga, nos interliga, nos religa! Isso nos torna seres humanos melhores. Conforme a teoria psicanalítica, põe nossa humanidade em ato. Fica evidente que a modulação desse hormônio é altamente prejudicada quando permanecemos isolados, impedidos de exercitarmos e criarmos novos vínculos. A ocitocina, portanto, é benéfica quando liberada NATURALMENTE pelo organismo através dos nossos afetos.**
A palavra pode unir os homens, a palavra pode também separá-los, a palavra pode servir o amor como pode servir a amizade e o rancor. Livra-te da palavra que pode provocar o ódio.
Leon Tolstói
Está claro, agora, por que o isolamento é ruim e por que tantas pessoas estão arredias, tristes, irritadiças e mal humoradas? Por que as brigas e os desentendimentos são mais frequentes? A falta de apego e empatia entre muitos de nós permeia toda a sociedade. O narcisismo, fundante de toda doença mental, é crescente. Com ele também crescem o egoísmo, a inveja e a predisposição para fazer o mal.
Por mais que a cultura crie narrativas e convença a muitos que as ideologias bastam para tecer uma sociedade mais justa e igualitária, nossa REALIDADE biológica sempre se imporá apontando o erro dessa utopia. Os ideólogos e os engenheiros sociais, por meio de palavras tortas e fantasiosas, estão nos roubando a vida. Isolar os seres humanos é uma forma engenhosa de torná-los frágeis e vulneráveis, propensos ao MEDO e à manipulação mental.
Como as águas, as palavras acham caminho. Se as palavras podem nos traçar feridas, ódios, mágoas e até a morte; também podemos utilizá-las para a cura e preservação da vida. Neste momento de crise, precisamos abraçar com palavras, usá-las com honestidade, generosidade, compaixão e amizade. A palavra pode nos ligar, interligar e religar a Deus se for usada para o bem, para o perdão e para a oração. O apóstolo S. Paulo, por meio de uma boa palavra, em sua carta à Igreja de Éfeso, incita os cristãos a usarem o “capacete da salvação” a fim de proteger suas mentes. ***
O “EU” EM RUÍNAS
Já compreendemos que os ideólogos e engenheiros sociais lançam mão da fluidez possível das palavras a fim de criar discursos distópicos e controlar as massas. Dessas narrativas surgem as ditaduras das minorias, o discurso pró-drogas e os eufemismos que travestem e disfarçam a intenção perversa de ações que lhes são convenientes. Um novo elemento é posto em ação para servir de agente catalizador à OBEDIÊNCIA.
Com os seres humanos isolados e fragilizados, portanto mais vulneráveis, o MEDO é estrategicamente introduzido por meio desses “especialistas" em manipulação. O MEDO é uma emoção suscitada por uma situação de perigo, IMAGINÁRIO ou REAL, que provoca respostas psíquicas e fisiológicas desagradáveis, capazes de paralisar e impedir respostas positivas. Esse estado de ânimo gera sensações físicas como sudorese, desmaios, taquicardia, falta de ar, insônia, irritabilidade, falta de concentração e memória; e essas respostas fisiológicas impõem respostas psíquicas como sensação desagradável de apreensão e insegurança. É quando o individuo passa a sentir MEDO DA VIDA, e às vezes se torna tão intenso, que o leva à fuga através do suicídio e do surto psicótico. Podemos dizer, então, que esse individuo está aos pedaços, sua integridade psíquica foi quebrada, sua alma dilacerada. Ou seja, o "eu" está em ruínas. É exatamente essa sensação de DESAMPARO que leva o indivíduo a buscar abrigo no Estado, nos “sacerdotes da seita ideológica”, nos sujeitos do “pretenso saber” - mestres, cientistas e doutos -, pois o ambiente propicio à manipulação foi criado. Isolado, com medo, desamparado e propenso à obediência, esse sujeito busca informar-se através das mídias que centralizam o poder de propagação dos discursos hegemônicos, autoritários e fortes, mas que lhe prometem PROTEÇÃO.
A CULTURA DA MORTE … DO CORPO
A educação tradicional tem muito a dizer sobre a arte de não se ofender. A educação moderna tem muito a dizer sobre a arte de se se sentir ofendido.
Roger Scruton
A cultura da morte usa disfarces e vem destruindo crianças e jovens ao longo de anos. Tive a oportunidade de observar, primeiramente no Canadá e logo depois na Europa, o fenômeno que desencadeou a diluição do individuo - “eu em ruínas”.
Nesses países de alta renda per capta e de alta cultura, a moral judaico-cristã foi aos poucos sendo substituída por uma moral sem Deus. A população passou a acreditar que a ética poderia ser otimizada sem um lastro espiritual. As escolas passaram a utilizar profissionais, antes apenas voltados ao ensino na “nova escola” ou “escola aberta”. Nessa nova modalidade pedagógica, a educação passou a ser tarefa do Estado, o responsável a partir de então por introjetar novos valores na gurizada. Deus passou a ser dispensável para a implantação da nova cultura. A autoridade dos pais passou a segundo plano e, portanto, não deveriam mais ser obedecidos cegamente. Os “direitos” das crianças passaram a ser mediados pelo Estado, as disciplinas tradicionais foram substituídas por uma “Educação Integral”. À criança foram apresentados excesso de direitos, extensas possibilidades, muitas “liberdades”, com poucos deveres, quase nenhuma responsabilidade e nulas obrigações. Nada mais é obrigatório: "Se Deus não existe, tudo é permitido” (Fiódor Dostoiévski).
Nesse mundo paralelo e fantasioso suas vidas lhes pertenciam. Crianças e jovens poderiam escolher se queriam morrer ou viver. Em nome dessa “liberdade” muitos véus foram desfeitos e nada mais era perigoso. O presente é o que importava e com ele todas as sensações deveriam ser “experienciadas”. Um rol de novas possibilidades surgiu: drogas, álcool, “ideologia de gênero”, distorção da sexualidade, comportamentos abusivos. Viver ou morrer passou a ser escolha legitimada pela escola, por autoridades, pela justiça e pela mídia que se encarregou de mostrar como essa vida livre era encantadoramente tentadora. O psiquiatra e escritor Theodore Dalrymple registra que as escolas britânicas retiraram de seus currículos a leitura dos clássicos. Ele nos fala também do aumento da violência entre jovens infantilizados, mal educados, desresponsabilizados de seus atos e “podres de mimados". A ordem passou a ser DIVERSÃO por diversão.
Logo começaram a aparecer as modificações corporais, as trocas de sexo, as toxicodependências precoces, os abusivos, a violência e as inadequações. O divino foi perdido, o sagrado do corpo foi sepultado e o humano poderia apresentar-se não mais como a imagem e a semelhança de Deus, mas a imagem que quisesse ter. As aberrações passaram a ser pauta.
REBELDIA
Sem lastro moral, sem valores e incentivados à rebeldia. O narcisismo passou a ser precocemente estimulado. O mandamento cristão “amar a Deus e ao teu próximo” foi substituído por “ame a si mesmo”. A doença mental atingiu em cheio crianças e jovens. Antes raras, agora numerosas e graves, a depressão infantil, os suicídios, as psicoses advindas do uso abusivo de drogas, as automutilações, ainda causam espanto aos profissionais de saude comprometidos com a vida.
As individualidades foram absorvidas pelos “coletivos”. Fora das tribos, o vazio. A responsabilidade virou moeda de troca e perdeu valor. A felicidade subiu ao pódio. Infantilizados e ressentidos, os “eus”, tão vazios quanto jovens, ficaram desbussolados e em ruínas. Tudo isso desembarcou no nosso país com a politização da saúde e da educação.
O Brasil, que mal começou a exercitar seus músculos e a tentar se firmar econômica, politica e diplomaticamente, já encontra vigorosos oponentes aqui e nos exterior. A miséria é cultural e resiste. O fosso moral em que nos encontramos é grande. Abriu-se um abismo profundo onde se manifesta a criminalidade, a corrupção e a imoralidade. A perversão tornou-se mais disseminada e cruel. Natureza e cultura estarão sempre interligadas. Há uma saída?
Vivemos presos nos degraus escarpados do tempo. A ilusão ideológica mostra sua face enganosa e tenta levar a humanidade para o abismo do sofrimento. O mundo tal qual o conhecíamos está suspenso, resta-nos recorrer à essência da CORAGEM. Ao vivenciar momentos de escravidão e miséria durante o nazi-fascismo a pensadora Simone Weil se encontrou com o mistério do cristianismo. Foi preciso luta e coragem para se deparar com a Esperança. São dela as palavras que retomo: “só uma coisa de Deus podemos saber: que Ele é o que nós não somos”.
Essas palavras nos remetem à realidade de que somos humanos, sim! Mas, por um Deus criados e justificados pela Fé em Cristo. Contemplando a Cruz, onde nos deparamos com a redenção, podemos, como Simone, encontrar a chave para o Caminho do ser humano em direção ao Absoluto, onde todas as nossas fragilidades se desvanecem. Isso é humanidade! Isso é realidade! Sim, somos humanos, e jamais poderemos abrir mão de nossa humanidade.
NOTAS:
(*) As substâncias psicoativas agem no SNC (Sistema Nervoso Central) alterando a função cerebral e causando alterações temporárias ou permanentes na percepção, no humor, na consciência, na cognição, e no comportamento dos indivíduos.
(**) Por conta de tantos benefícios, muitos mitos foram construídos para que a ocitocina possa ser introduzida no corpo humano sob forma suplementar, por exemplo, a utilização de inaladores e/ou comprimidos do hormônio com a promessa de provocar sensações de bem-estar e alegria. Pesquisas recentes da Neurociência nos dizem que estes suplementos não são eficazes e podem acarretar danos a órgãos vitais como rins e fígado.
(***) Epístola aos Efésios 6.17
FONTES:
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge. Zahar, 2005.
BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Rio de Janeiro: Jorge. Zahar, 2008
BAUMAN, Z. & DONKIS, L. Cegueira Moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida. 1. Ed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2014
DALRYMPLE, Theodore. Não com um estrondo, mas com um gemido: a política e a cultura do declínio. São Paulo: É Realizações, 2016.
DALRYMPLE, Theodore. Podres de Mimados – As consequências do sentimentalismo tóxico. São Paulo: É Realizações, 2015.
Kaplan HI, Sadock BJ, Grebb JA. Compêndio de psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.
LENT, Roberto. Neurociência da Mente e do Comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.
SCRUTON, Roger. Desejo Sexual:Uma Investigação Filosófica. Vide Editorial. 2016.
Sorvi cada palavra do seu texto com imenso prazer. Citações perfeitas. Faz-se necessário reter na memória o sentido e a razão primordiais de estarmos aqui.
ResponderExcluirObrigado, Vicente, pela leitura e reconhecimento. Vivemos tempos sombrios e precisamos despertar os que dormem a fim de entenderem como a manipulação tem fragilizado a sociedade. Um abraço! Delmo.
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