por Delmo
Fonseca
Onde estão as evidências científicas que
justificam proibir a pessoa de ir à praça, parque ou praia? Onde?
Assim
diz o inciso XVI do artigo 5º da nossa “Constituição Cidadã” de 1988: “Todos
podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público,
independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião
anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à
autoridade competente”.
Há
alguma dúvida quanto à garantia constitucional que dá ao cidadão brasileiro o
direito de se reunir livremente? Não havendo o que questionar a esse respeito,
por que o establishment se alvoroça quando uma parcela da sociedade exerce
esse direito?
É típico
de regimes autocráticos o cerceamento de liberdades individuais. E à guisa de
combater uma pandemia, as autoridades estaduais e municipais estão aproveitando
a oportunidade para também limitar os seguintes direitos:
Liberdade
de locomoção: Art.5º, XV, CF – “É livre a locomoção no
território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da
lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.
Liberdade
de expressão: Art.5º, IX, CF – “É livre a expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença”.
Ante o
exposto, percebe-se que o despotismo tem se multiplicado de tal maneira, que há
governantes em busca do título de “ditador do ano”. Tais governantes não
hesitam em decretar o prolongamento do estado de calamidade pública e a
intensificação das seguintes ameaças: “você pode perder seu alvará”, “você pode
ser preso”, “você pode ser isolado da família”, “você não pode trabalhar”.
No último
19 de abril, Dia do Exército Brasileiro, muitos cidadãos saíram às ruas com o
intuito de homenagear essa instituição que é conhecida pelo lema "Braço
Forte - Mão Amiga", além de reivindicar o direito ao trabalho e a abertura
do comércio, pois o colapso econômico tem se desenhado de forma mais acentuada
a cada dia. Evidentemente, em meio a tantas reivindicações, houve quem pedisse
por medidas semelhante ao Ato Institucional nº 5, AI-5, baixado em 13 de
dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva. Afinal, num Estado
Democrático de Direito, a liberdade de expressão não é uma garantia
fundamental? E quanto às marchas para a legalização da maconha e do aborto? O
que esses grupos têm feito senão expressar livremente seus desejos, ainda que
reprovados pela maioria? Quando, numa manifestação em favor da preservação de
direitos fundamentais, um grupo recorre até mesmo a uma atitude mais enérgica,
significa que a maioria dos manifestantes estão de acordo com esse grupo?
VOCÊ
JÁ LEU O AI 5?
Há uma
guerra de narrativas sendo travada. Se de um lado há figurões de toga arrotando
saber jurídico com o objetivo apenas de desinformar, de outro, existem homens
com honestidade intelectual. É o caso do Procurador da República Walmor Moreira,
cristão, Mestre em Direito e Sociologia Jurídica Universidade Barcelona, Membro
fundador do MP Pró-Sociedade, ex-PAJ-SP e ex-professor de Direito da UFSC. Numa
thread em seu perfil no Twitter, o Dr. Walmor desfez algumas falácias a
respeito desse tema tão polêmico. Segue o fio:
Você
já leu o AI 5?
Sabia
que os Decretos em Santa Catarina do governador Carlos Moises são piores do que
o AI 5 em violação de direitos e garantias fundamentais da pessoa?
Alguma
ONG de Direitos Humanos ou MP se levantou contra esses atos? Vamos comparar?
ATO INSTITUCIONAL Nº 5, DE 13 DE DEZEMBRO DE
1968. Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, PODIA
impor as seguintes medidas de segurança (art. 5, IV): a) liberdade vigiada; b)
proibição de frequentar determinados lugares; c) domicílio determinado.
DECRETO N. 562 DE 17 DE ABRIL DE 2020 O
governador SC, sem OUVIR a ALESC, PROIBIU (art.8) - circulação de TODOS os
transportes de passageiros - funcionamento do comércio - reunião pública e
privada, incluídas missas e cultos - permanência de pessoas em praças, parques
e PRAIA.
Tenho
afirmado: A CONSTITUIÇÃO NÃO ESTÁ EM QUARENTENA. Mas em SC, forçoso reconhecer,
está sim. O Decreto do governador Carlos Moises é, juridicamente, um Ato
Institucional típico. A Constituição e a lei federal da pandemia do coronavírus
não são enfeites. DEVEM ser respeitadas.
Disse o STF na ADI 6.363/DF: “A Constituição –
é claro – não foi pensada para vigorar apenas em momentos de bonança. Ao
contrário, o seu fiel cumprimento se faz ainda mais necessário em situações de
crise, nas quais, na feliz metáfora de Jon Elster, (...) ela serve como o mastro
a que se prendeu Ulisses para que não se perdesse em meio ao canto das sereias,
pois representa a derradeira barreira de proteção dos valores básicos da
sociedade contra paixões ou interesses de uma maioria ocasional.” (STF, ADI
6363-DF)
Os direitos e garantias fundamentais constituem
núcleo imutável da Carta Magna. São direitos que não podem ser suprimidos,
apenas restritos excepcionalmente por “solicitação” do Presidente da República
ao Congresso, ouvido o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional.
Foi promulgada a Lei Federal n.13.979/2020 para
enfrentar a emergência de saúde pública do coronavírus. Essa lei baliza os atos
do executivo. O STF reconheceu na ADI 6341 julgada em 15/04 que todo Decreto
extrai sua força de validade da lei. Se o estado não tem lei, vale a federal.
E a pergunta óbvia que se faz é: a lei federal
restringiu direitos fundamentais? Proibiu as pessoas de ir à praça, parque ou
praia? Evidentemente que não! Ao revés, assegura “o pleno respeito à dignidade,
aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas” (art.3)
E a lei exige do poder público que as medidas
de isolamento e quarentena “somente poderão ser determinadas com base em
evidências científicas” (art. 3., § 1o). Pergunta-se: onde estão as evidências
científicas que justificam proibir a pessoa de ir à praça, parque ou praia?
Onde?
Em entrevista a Datena, o PGR Augusto Aras
afirmou que o Brasil “não está sob a égide do estado de sítio” e que “os
limites para que governadores e prefeitos atuem concorrentemente com a União na
saúde é o limite da Constituição. É o limite dos direitos e garantias
fundamentais.”
Logo, não há nenhum amparo legal ou
constitucional para limitar, ainda que transitoriamente, direitos fundamentais
por Decreto. Só o Presidente da República por meio do estado de sítio pode
fazê-lo. O Decreto do governador SC é, portanto, manifestamente ilegal e
inconstitucional.
Como acertadamente afirmou o Dr. Walmor, “a
Constituição e a lei federal da pandemia do coronavírus não são enfeites. DEVEM
ser respeitadas”, mas não é isso que temos visto. Os governantes déspotas, por
meio de decretos draconianos, têm dito o mesmo para a Carta Magna: “Fique em
casa”.
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