
por Delmo Fonseca
As Escrituras não mencionam os
nomes dos dois malfeitores que foram crucificados com Cristo, “um à sua direita,
e outro à sua esquerda”, conforme se encontra registrado nos quatro evangelhos (Mt
27.38; Mc 15.27; Lc 23.32 e 33; Jo 19.18). No período pós-apostólico, portanto,
uma obra apócrifa intitulada Evangelho de Nicodemos, também conhecida como Atos
de Pilatos, irá identificar os dois ladrões como Dimas e Gestas. Nesse caso,
Dimas será reconhecido como aquele que repreendeu o outro meliante por suas blasfêmias
contra o Redentor.
Desde então, o mito do “bom ladrão” assumiu novas cores e diversos personagens foram laureados
com este epíteto. Pode-se destacar o anti-herói
Robin Hood, de Alexandre Dumas, que roubava dos ricos para entregar aos pobres.
As aventuras do “Príncipe dos ladrões” foram ambientadas na época das Cruzadas,
século XIII, tendo à frente o rei Ricardo Coração de Leão.
Não se pode
esquecer de mencionar “O Sermão do bom ladrão”, do Padre Antônio Vieira, que na
Igreja da Misericórdia em Lisboa em 1655, diante do rei Dom João IV e toda sua
Corte, incluindo os mais importantes ministros, proferiu seu discurso a partir
da conduta de Dimas, que rogou a Jesus que se lembrasse dele no Paraiso. Vieira,
então, passou a se referir aos ladrões que assaltam o Reino e não são punidos.
Eis um trecho desse maravilhoso sermão:
“Não são só
ladrões os que cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar, para lhe colher
a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são
aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das
províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manhã, já com
força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes
roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo de seu risco, estes sem
temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e
enforcam. Diógenes que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu
que uma grande tropa de varas (juízes) e ministros de justiça levavam a
enforcar uns ladrões e começou a bradar: ‘Lá vão os ladrões grandes enforcar os
pequenos.’ Ditosa Grécia que tinha tal pregador! E mais ditosas as outras
nações se nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas. Quantas vezes se viu
em Roma ir a enforcar um ladrão por ter furtado um carneiro, e, no mesmo dia,
ser levado em triunfo um cônsul ou ditador por ter roubado uma província.”
O “Sermão
do bom ladrão” é extenso, o que exige uma análise mais pormenorizada em outro
espaço e contexto, mas o que vale destacar aqui é a denúncia que Vieira faz ao testemunhar
as práticas corruptas dos que ocupavam cargos públicos sem o devido mérito,
cujas consequências reverberam até os dias atuais. Tem-se o exemplo de uma
Suprema Corte composta, em sua maioria, de ministros ineptos e baixa estatura
moral. Tanto é verdade que ultimamente a sociedade brasileira se vê às voltas
com o fato de ter que tolerar o Molusco se comportar como alguém que merece o Paraíso,
porém sem o arrependimento de Dimas. O Padre Vieira, baseado em Santo Agostinho
e São Tomás de Aquino, frisa que para os ladrões, “sem restituição do alheio
não pode haver salvação”, e o ato da restituição "não só obriga aos
súditos e particulares, senão também aos cetros e às coroas”. Ou seja, não há exceção.
Em se
tratando do Molusco, o caso é ainda mais grave, pois há notícias de que no seu “reinado”
tirou-se dos pobres para entregar aos ricos via BNDES. Mas o que mais impressiona
é a naturalidade com que o establishment encara este Robin Hood tupiniquim,
a “alma mais honesta” destas plagas. A nossa sorte é que a realidade sempre se impõe,
o que nos leva a crer que no final, muitos que se acharam Dimas, verão que não
passaram de Gestas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário