
por Delmo Fonseca
Ainda
não chegamos ao fundo do poço, mas não tardará. É bem provável que estejamos, na
atual conjuntura moral e cultural, à beira de um abismo. E segundo Nietzsche, “quando
você olha longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você.”
Esse mesmo filósofo, ao final do século XIX preanunciou a ascensão do
niilismo, que em termos gerais, é uma ideologia que considera infundados e
destituídos de sentido as crenças e os valores absolutos. Numa das tantas obras do mesmo Nietzsche encontramos
a famosa afirmação "Deus está morto e fomos nós quem o matamos". Em
outras palavras o filósofo alemão estava constatando que a partir da era
iluminista, em que a razão ocupara o lugar da revelação no coração do homem,
não havia mais espaço para o lastro da existência num ponto fixo, seguro e
transcendente, não havia mais espaço para as verdades eternas. Os valores
morais, por exemplo, não tinham mais significado essencial, pois o niilismo
pressupõe a existência diante do NADA. E que significado tem o NADA?
Se o
mundo levou ou não as palavras de Nietzsche a sério, o certo é que
testemunhamos tempos muito estranhos. Hoje tudo parece virado de ponta-cabeça,
a começar pelo empreendimento em desconstruir a moral cristã a fim de se
estabelecer uma era pós-moral, ou seja, uma época destituída de interditos e
limites éticos. Para tanto, os valores cristãos precisavam ser dinamitados em
sua base. E esse foi um dos serviços prestados pelos iluministas ao se voltarem
contra a Igreja muitos antes dos ideais da Revolução Francesa. Associado a isso
vimos no desenrolar da história, meados do século XIX, o quanto o marxismo
levou a cabo a mentalidade revolucionária que se opunha à moral cristã, vista como
uma moral burguesa a ser combatida pelo proletariado. A luta de classes também ensejava
numa prevalência de uma nova moral, a proletária. No entanto, os
revolucionários tiveram que reconsiderar o papel da classe operária que se
recusou a seguir o delírio socialista, e transformaram a moral proletária na
moral dos intelectuais, que na prática é “terrivelmente” niilista. Temos como
exemplo, nas primeiras décadas do século XX, a atuação dos teóricos da Escola
de Frankfurt, o “Grande Hotel Abismo”, que viria revolucionar a mentalidade das
gerações pós-guerra.
A
partir da Revolução Cultural novas ideologias emergiram do abismo niilista. Desde
o “É proibido proibir” ao “Meu corpo, minhas regras”, o mundo tem experimentado
a transição de uma sociedade que buscava sentido e segurança para uma sociedade
sem referência ou ponto fixo. A luta de classes fora substituída pelas lutas identitárias,
ou seja, em vez burgueses x proletários têm-se opressores x oprimidos, de modo
que nem mesmo a linguística escapara desse abismo. O NADA quer ser alguma
coisa, quer se impor às custas da falsa ideia de que tudo é permitido, daí o
fato de que seguir esse ideal niilista associado ao ímpeto revolucionário se configure
como um caminho para a morte. Talvez seja esse o real desejo do ser humano ao
marchar para o abismo. Tempos sombrios.
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